O artigo faz parte de uma serie de artigos publicados por Vittorio Pelligra como colunista na seção "Mind the Economy" do "Il Sole 24 Ore"
por Vittorio Pelligra
Publicado no Sole 24 ore em 09/06/2019
Para opinião pública internacional existe um desalinhamento notável e persistente entre o tamanho real de alguns fatos e a percepção de que se tem, a nível individual, uma distância radical entre dados reais e estimativas subjetivas. Mais presente em alguns do que em outros, mas ninguém está completamente imune a este fenômeno. Na Itália, por exemplo, se perguntarmos qual é a percentagem de homicídios cometidos com armas de fogo, a resposta média é de 44%, enquanto o valor real é de 24%. Um desvio bastante grande. Apenas 32% dos italianos são capazes de identificar a principal causa de morte violenta no país.
Se perguntarmos qual é o nível de superlotação nas prisões, o desvio médio é igual a 40%. Acredita-se, isto é, que as prisões estão decididamente mais superlotadas do que na realidade estão. A incidência do assédio sexual é subestimada em 20%; a mesma percentagem de crianças efetivamente vacinadas também é subestimada; em vez disso, o número de pessoas desempregadas é superestimado em 27%. Poderíamos continuar por muito tempo com exemplos semelhantes e os resultados não mudariam.
Existe uma lacuna, persistente e sistemática entre a dimensão de alguns aspectos importantes da vida pública e a percepção que a maioria dos cidadãos tem destes fenômenos. Este hiato entre a nossa visão do mundo e a realidade representa um desafio recente, sem precedentes e ainda completamente subestimado para as democracias modernas.
A aceleração do compartilhamento da informação, a diminuição da sua qualidade e a redução dos custos de acesso, fenômenos ligados à emergência das redes digitais nas nossas vidas, produzem riscos de manipulação e de persuasão oculta a um nível de escala e eficácia nunca experimentados. Basta pensar na relevância política dos poucos exemplos apresentados acima: crime e segurança, discriminação e questões de gênero, saúde pública, economia.
Os programas e campanhas destinados a alterar e manipular por meio da arte a percepção da opinião pública sobre questões tão sensíveis nunca foram tão fáceis de implementar e a um custo tão baixo como nos dias de hoje. Já há alguns anos nos tem sido possível medir com precisão a escala deste fenómeno. Os dados que referi acima provêm da edição de 2018 do relatório "Os Perigos da percepção" que a Ipsos_Mori produz anualmente com base em pesquisas internacionais.
Conhecemos bem algumas das causas deste desalinhamento e porque ele ocorre. A psicologia cognitiva e as ciências comportamentais nos fornecem chaves interpretativas importantes. O funcionamento das heurísticas, por exemplo, atalhos mentais reais que usamos para procurar e processar informação na nossa memória e no mundo exterior, mostram a frequência com que estes caminhos nos tiram do comando.
Por exemplo, nós italianos acreditamos que Trieste é mais frio que Milão no inverno, porque a ocorrência do vento bora é mais forte e facilmente "lembrado" do que o frio milanês normal. Bem como, geralmente não damos muita atenção à doença cardíaca como principal causa de morte nos países industrializados, porque na imprensa e nas redes sociais nos mostram muito mais os ataques terroristas ou tiroteios em escolas. Em 2016, 30,2% das mortes nos EUA estavam relacionadas a problemas cardiovasculares. A cobertura no New York Times era de 2,5%. O assassinato foi a causa de menos de 1% das mortes, mas sua cobertura na mídia foi de 22,8% (fonte: Our World in Data).
A grande circulação de certas informações faz com que seja mais fácil para nós "recordar" o que nos leva, inconscientemente, a atribuir à essas informações um valor exagerado na elaboração das nossas estimativas, que serão sistematicamente distorcidas por esse motivo. Sabemos também que, por razões semelhantes, tendemos a superestimar o que nos preocupa e, ao mesmo tempo, preocupamo-nos com os fenómenos cuja incidência tendemos a exagerar.
Este último elemento é particularmente importante porque nos faz compreender como o nível de desalinhamento entre percepção e realidade pode ser considerado, de fato, um "proxy", ou seja, um indicador do que importa às pessoas, suas preocupações, seus medos e, em certo sentido, sua vulnerabilidade à manipulação.
Medir as distorções e conhecer as suas causas são apenas dois dos passos necessários para restabelecer um discurso público eficaz. São os dois primeiros passos que a opinião pública global deve dar para se aproximar de um modelo completo e moderno de democracia deliberativa. Falta ainda um terceiro passo; é o relativo às contramedidas, ao tratamento que deve necessariamente seguir-se ao diagnóstico. É fundamental nesta fase, isto é, se nosso objetivo é reduzir a vulnerabilidade e a instabilidade política das nossas democracias, ativar os anticorpos através de uma grande operação de “de-biasing”. Este é agora, para nós, o verdadeiro cerne da questão. Isto porque, mesmo que detectemos a doença se não agirmos com um tratamento eficaz, o resultado pode ser muitas vezes nefasto. E acima de tudo porque este tratamento ainda tem de ser pensado, estudado e implementado, e sobre isto estamos praticamente no ano zero. Em primeiro lugar, porque não podemos confiar demasiadamente nos métodos tradicionais.
Os regulamentos, por exemplo, nossas leis, civis e criminais, tornam-se, nas redes digitais em constante e rápida mudança, obsoletos ou inúteis em uma fração do tempo necessário para produzi-los e começar a aplicá-los. Precisamos de outros instrumentos, mas, até agora, muito pouco foi feito a este respeito. No que tange ao tratamento, sabemos, por exemplo, que não basta combater dados falsos com dados reais. As pessoas não mudam de ideia. Não basta desacreditar falsas fontes de informação, porque assim as pessoas começarão a desconfiar também de fontes de informação confiáveis. Não basta sequer apontar os problemas de certas fontes, porque desta forma, para o chamado "efeito de verdade implícito", todas as outras fontes, não reportadas, sejam elas confiáveis ou não, serão percebidas como confiáveis. Em suma, a questão é complicada e os nossos instrumentos, neste momento, estão ainda engatinhando.
Uma lição que podemos tirar e que deve guiar as políticas de de-biasing advém, no entanto, da observação de que as distorções têm muitas vezes uma raiz emocional. Eles surgem, isto é, da interação entre os aspectos emocionais e deliberativos. David Hume, em seu "Tratado da Natureza Humana" de 1739, sugere, a este respeito, isso: "A razão é [...] escrava das paixões e não pode, em nenhuma circunstância, reivindicar uma função que não seja a de servir e obedecer a elas [...] É claro, portanto, que o princípio que se opõe à paixão não pode coincidir com a razão e só indevidamente é assim chamado. Não falamos nem rigorosamente nem filosoficamente quando falamos de uma luta entre paixão e razão". Esta passagem é esclarecedora. Não se pode, de fato, opor a razão às emoções. Quando alguém lhe revela uma "verdade" que você queria ouvir, mesmo que seja uma mentira, e então talvez acrescente que ninguém mais, exceto ele, lhe dirá essa verdade, muito menos os "jornais" e os "professores", você não pensará que ninguém mais lhe dirá essa "verdade" porque essa "verdade" não passa de uma mentira. Ao contrário, você pensará ninguém mais a diz porque é verdade muito grande e desconfortável, e que agora você tem o privilégio de conhecê-la e compartilhá-la. Não há saída. A razão é escrava das paixões. E é por isso que é importante agir sobre as paixões, os medos, as experiências e ainda, sobre a qualidade de vida das pessoas.
Para contrariar o medo dos imigrantes, por exemplo, não basta dizer que não são muitos e que precisamos deles para pagar as aposentadorias - coisas absolutamente verdadeiras - mas precisamos propor experiências diretas de integração, conhecimento e intercâmbio com essas pessoas, para estar em contato com elas e com os seus filhos. Só assim podemos descobrir que não são, afinal, tão diferentes de nós. Se a distorção não vem do medo, mas de um sentimento de exclusão - "nunca ninguém vai dizer essas coisas, se não eu" - pode significar que talvez o nível de participação, inclusão e democracia de nossas comunidades e instituições ainda seja muito baixo. E então devemos incluir, fazer com que todos estejam dentro, não deixar que ninguém se sinta de fora, excluído, negligenciado. Finalmente, se as distorções se originam por causa de nossa maior atenção às notícias negativas do que às positivas, talvez uma maior responsabilidade por parte da imprensa e da TV em relação à imagem do mundo que produzem, poderia melhorar a situação. Não se trata de alterar a realidade, mas, pelo contrário, de dar uma representação mais fiel e precisa, menos ideologicamente pré-concebida.
A diferença entre a direita populista e a esquerda elitista está aqui: aquela vai em frente pautada nas emoções, a outra as ignora e as subestima. Ainda um "tertium datur", há ainda outra perspectiva, outra possibilidade que é trabalhar na prática para mudar as experiências, os traumas, até mesmo, os bairros, as cidades, as relações que produzem essas emoções de medo, exclusão e insegurança. Este é o papel da política, a bela política. Porque, como diz Richard Thaler, Prêmio Nobel de Economia, " Não é que as pessoas sejam burras, é que os problemas são complexos”.
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