O debate sobre as medidas para atenuar os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus ainda não considerou seriamente a redistribuição de bens.
por Benedetto Gui
publicado na revista Città Nuova em 16/04/2020
«Uma antiga tradição tem sido preservada entre os pastores da Sardenha. Quando, devido a um desastre natural ou por outras razões, um pastor perde seu rebanho, cada um de seus amigos e vizinhos lhe dá suas próprias ovelhas». Essa prática da solidariedade, mencionada por Alessandra Smerilli no livro Pillole di economia civile e del ben vivere (ainda não traduzido para o português), deve ter sido totalmente esquecida pelo povo italiano, ou pelo menos por aqueles que lideram o debate público sobre a crise econômica criada pelo coronavírus.
A epidemia da Covid 19 nos obrigou a parar muitas atividades produtivas para evitar a propagação do contágio. Milhões de cidadãos não puderam ganhar a própria renda administrando ou trabalhando em bares, restaurantes, hotéis, lojas ou transportes, ... uma perda de valor produzido (grande parte da qual vai para a renda familiar) de 48 bilhões de euros para cada mês de fechamento contínuo (a estimativa é do Centro de Pesquisa SVIMEZ). Um valor que - perdoem a minha pequena curiosidade - corresponde ao valor de cerca de sessenta milhões de ovelhas, que nem mesmo corresponde a uma por italiano.
Felizmente, existe um acordo geral de que a indenização deve ser dada às partes lesadas. Mas a questão de quem deve contribuir permanece. O primeiro pensado é o Estado, mas logo este se deu conta de que seus rebanhos de ovelhas não são suficientemente bem abastecidos, e nem seria capaz de tomar emprestadas as que faltam, pois já deve muitas ovelhas. Nesse momento, o debate público voltou-se imediatamente para os rebanhos das planícies do norte da Europa e durante semanas não foi falado de nada além das negociações que os governantes haviam aberto nesses países e com as instituições europeias.
Mas durante um tempo politicamente interminável, ninguém ousou publicamente apresentar a ideia mais óbvia: pedir-nos, a nós, que não fomos empobrecidos por ficar em casa, para que entrássemos em nossos rebanhos ilesos para ajudar a reconstruir aqueles que, não por negligência ou má sorte, foram perdidos, e assim salvar nossa própria pele. Há poucos dias, quando ficou claro que os estrangeiros não pagariam por tudo, algum infeliz líder político cometeu o erro de pronunciar essa maldita palavra, imposto, com o resultado previsível do apedrejamento público. Os argumentos para a proposta foram os mais variados, desde o clássico «mais uma vez vocês querem pescar daqueles que sempre contribuíram, enquanto os evasores estão rindo», até os mais truculentos «querem colocar as mãos nos rebanhos das ovelhas dos italianos». Não queremos falar de "paradoura" (balanceamento, em sardo), de acordo com o princípio tácito: «Deixe outra pessoa pagar, eu não pagarei as ovelhas». Este é, infelizmente, o estado de costume demagógico da nossa opinião pública.
E o problema certamente não se detém às disputas italianas ou europeias. Justo nestes dias, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e ex-economista chefe do Banco Mundial, alertou sobre a dívida dos países mais pobres. Mesmo ali a mesma contradição se manifesta, e de forma ainda mais dramática: com a emergência do coronavírus, aqueles que vivem do trabalho, se os fizermos ficar em casa, perdem tudo; pelo ao invés, aqueles que vivem recebendo juros não só não precisam sair de casa para cobrá-lo, mas a quantia devida a eles não é afetada por crises ou epidemias. Em outras palavras, a pandemia do coronavírus tornou mais evidente do que nunca a necessidade de uma grande redistribuição na direção oposta à gigantesca concentração da riqueza que ocorreu desde os anos 80. Além disso, há uma necessidade urgente de fortalecer os sistemas de saúde dos países menos preparados para lidar com uma epidemia. Uma resposta inicial, o congelamento destas dívidas, já veio do G20, mas muito provavelmente exigirá um cancelamento definitivo.
Aprendamos com os pastores da Sardenha: aqueles que, apesar da crise, têm os rebanhos de ovelhas cheios, que ponha uma mão em sua consciência (civil) e faça sua parte.